Professor da etnia Baniwa estreia em sala de aula como o segundo professor indígena da UnB e o primeiro do Brasil em um departamento e um programa de excelência em Antropologia Social.
Depois de mais de dois anos de aulas remotas, nesse início de junho a Universidade de Brasília (UnB) voltou a oferecer classes de forma presencial e trouxe uma grande novidade entre o professorado, o debute do indígena Gersem Baniwa, como professor do quadro permanente do Departamento de Antropologia da UnB.
Gersem foi a primeira pessoa da etnia Baniwa a concluir os estudos e, inclusive, o primeiro a receber o título de doutor, pela Universidade de Brasília. Mas seu histórico pessoal de pioneirismo entre os povos indígenas do Brasil não para por aí. Entre diversas outras frentes que ele desbravou, foi Gersem o primeiro indígena com formação em nível de pós-graduação strictu sensu em Antropologia Social no país. E o primeiro a passar em um concurso público para professor no país, na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Quando questionado se há na universidade pública brasileira do século XXI outros rostos, cores e etnias que não eram tão vistos outrora, tanto no corpo docente quanto no discente, Gersem diz ser um testemunho vivo de importantes inovações e revoluções político-institucionais realizadas pela UnB nas últimas duas décadas. “A UnB, o curso de Antropologia e o Departamento de Antropologia de 2004, quando ingressei no Mestrado, não são mais os mesmos hoje. A presença indígena nesses espaços era estranha, exceção, acaso. Eu mesmo passei quase despercebido durante uma década de formação aqui, talvez como meu ingresso se deu antes das cotas, não havia razão para chamar a atenção da comunidade universitária como um todo. Hoje, tanto a UnB, quanto o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e o Departamento de Antropologia são outros territórios com forte presença indígena, não apenas como discentes e docentes, mas sobretudo como outros sujeitos coletivos com suas diversidades culturais, étnicas, linguísticas e epistêmicas. Outros rostos, cabelos, pinturas, cores, gostos, sabores, saberes, fazeres e modos de sentir, de ser, de fazer, de viver e de existir. Ou seja, esses importantes territórios institucionais também estão sendo aldeados, demarcados e ocupados, inclusive, nos microterritórios de docência. Assim, aos poucos a UnB e os seus cursos, programas e departamentos vão sendo também dos e com indígenas, porque na prática, nós indígenas sempre estivemos aqui, embora invisíveis, renegados e excluídos dentro da nossa própria terra, na nossa própria casa. Hoje o tempo é outro, outro mundo, outras possibilidades e oportunidades. Essa importante presença indígena foi uma das principais motivações para a minha escolha pelo DAN/UnB para o exercício pedagógico de ensino-aprendizagem nesta fase da vida”.
Com forte tradição na pesquisa ligada ao indigenismo, o Departamento de Antropologia da UnB conta com 4 laboratórios que se dedicam diretamente ou transversalmente ao estudo de nossos povos originários. São eles: LINDE – Laboratório de indigenismo e etnologia, LAGERI – Laboratório e grupo de estudos em relações interétnicas, T/TERRA – Laboratório de antropologias da T/terra e MATULA – Sociabilidades, diferenças e desigualdades.
Alcida Rita Ramos, integrante do LINDE e professora emérita da UnB, costuma contar que desde criança é muito sensível para a questão da alteridade. E quando teve a oportunidade de saber alguma coisa sobre os indígenas, pensou: “é isso que quero fazer, porque eles são outros na própria terra”. E hoje ela, uma das fundadoras na UnB, há exatamente 50 anos, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) e uma das principais referências sobre o indigenismo no Brasil, destaca que a chegada do professor Gersem ao Departamento de Antropologia da UnB “traz um saudável fôlego ao nosso PPGAS e, por extensão, ao nosso Departamento. Com sua sabedoria, tranquilidade e engajamento, Gersem é um pilar onde se erguerá o presente e o futuro de uma antropologia edificada durante séculos com a sabedoria dos povos originários e chega ao século XXI disposta a abrir os braços para acolher de maneira ainda mais plena esse manancial de conhecimento indígena em suas fileiras de docentes e discentes”.
Fonte: